Setembro de 1983. Na eleição do ano anterior, no Rio Grande do Sul, o PDT de Leonel Brizola não quis apoiar o PMDB de Ulysses Guimarães, e o PDS de José Sarney acabou vencendo a disputa pelo governo do Estado. Natural de Porto Alegre, o advogado e dentista Jair Soares conquistou a única vitória do PDS ao Palácio Piratini, embora o Rio Grande do Sul tenha sido governado pela ARENA ao longo do Regime Militar de 1964. Porém, a presença do MDB trouxe certo equilíbrio ao cenário político, haja vista as eleições para senador vencidas pela oposição em 1974 e 1978.
A divisão entre o PMDB do senador Pedro Simon e o PDT do deputado federal Alceu Collares permitiu o triunfo dos governistas. O candidato Jair Soares obteve 1.294.962 votos, enquanto Pedro Simon recebeu 1.272.319 e Alceu Collares, 775.546. Em compensação, o PMDB elegeu o senador Paulo Brossard e fez 12 deputados federais, contra 11 do PDS e 7 do PDT.
Interessado em estreitar os laços entre o PMDB gaúcho e o PMDB amazonense, com o objetivo de fortalecer a defesa da Zona Franca de Manaus, o deputado federal Artur Neto decidiu organizar uma churrascada para os colegas sulistas no aniversário do estado do Rio Grande do Sul. A data, 20 de setembro, marca a Revolução Farroupilha e é celebrada como o “Dia do Gaúcho”. Como caía numa terça-feira, os deputados não poderiam deixar Brasília por conta das votações em curso na Câmara.
Diante disso, Artur Neto convocou seu ajudante de ordens, Gilmar Barbosa, e foi direto ao ponto:
– Meu caro Gil Buda, providencia o material para a gente fazer um churrasco para 12 pessoas, todos gaúchos. Vamos usar a infraestrutura do Tênis Clube. Eles devem chegar lá por volta das 19h. Eu vou me atrasar um pouco porque tenho um encontro com o Dr. Ulysses nesse mesmo horário. Não deixa faltar nada nesse encontro gastronômico que o futuro da Zona Franca está em jogo.
Gil Buda não perdeu tempo. Logo cedo, passou no açougue, comprou 30 quilos de alcatra, cortou, temperou e levou tudo para o Tênis Clube. Lá mesmo começou a preparar os acompanhamentos: farofa, arroz de carreteiro, pão com alho, vinagrete, macaxeira frita, salada de batata e queijo coalho.
Por volta das 19h, Gil começou a assar os espetinhos. Os deputados gaúchos foram chegando, se acomodando nas mesas e começando a beber. Após explicar que Artur Neto se atrasaria um pouco, Gil também entrou no clima e começou a beber. Já tinha tomado umas 10 latinhas de Brahma quando Artur chegou, visivelmente irritado:
– Porra, Gil, o Sinval Guazzelli me ligou reclamando que estão aqui há uma hora e nem sombra de churrasco. O que aconteceu?
– Isso é onda deles, deputado! – respondeu Gil. – O que mais tem aqui é churrasco!
E mostrou duas bacias cheias de espetinhos. Devia ter uns 200. Gil já havia assado 10 deles e comido sozinho, depois de oferecer aos gaúchos, que recusaram educadamente.
Artur resolveu apurar o motivo da insatisfação — e quase foi linchado pela gauchada.
– Desculpe, deputado, mas ninguém vem lá do Sul pra comer esse churrasco balanceado dos cascos e feito em espetinhos. Esse estrupício é coisa de gentalha! – disparou Paulo Mincarone.
– Verdade, tchê! – reforçou Lélio Souza. – Isso está feio que nem indigestão de torresmo e nojento que nem mocotó de ontem…
– Churrasco exige carne de cortes grandes, como costela, picanha e maminha, temperada com sal grosso e assada lentamente em fogo de chão, com espetos cravados no chão – explicou José Fogaça. – O cara de cu sem pestana que chama isso aqui de churrasco merece levar uma coça…
– Olha, pessoal, não vamos crucificar o estrabulega que preparou essa bagaça, porque ele devia estar bem intencionado! – ponderou Ibsen Pinheiro. – Mas essa porqueira só pode ser chamada de churrasco na casa de um grandissíssimo filho da macega, porque não vale um tipiu…
Sem outra alternativa, Artur Neto levou os gaúchos para jantar na Churrascaria Pampas, a mais tradicional da cidade. Já Gil Buda… passou três semanas comendo os “churrasquinhos de gato” que havia preparado com tanto carinho. Gaúcho é bicho invocado!
