Decisão ignora o trabalho consolidado de instituto que iniciou atividades após ser autorizado pelo MUSA
Manaus – Professores, estudantes e membros de movimentos sociais realizaram um ato em defesa da agroecologia, da educação e da arte na Escola Normal Superior (ENS) da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), na tarde dessa terça-feira (14). A mobilização visou garantir a permanência do Projeto Arte & Escola na Floresta no Centro de Treinamento Agroflorestal (CTA), localizado no Assentamento Água Branca, na Área de Proteção Ambiental Adolpho Ducke, diante de uma ameaça de remoção.
Atualmente gerido de forma coletiva pelo Instituto Tera Kuno, que desenvolve atividades no local há cinco anos, o espaço enfrenta uma crise desde que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) nomeou a Associação de Moradores local como nova gestora temporária.
A decisão ignora o trabalho consolidado do instituto, que iniciou suas atividades após ser autorizado pelo MUSA — construtor original do centro — antes que este devolvesse a área ao INCRA, enquanto o Instituto Tera Kuno tenta regularizar o espaço há três anos. A tensão se agravou com o surgimento de uma terceira organização, desconhecida na comunidade e sem plano de trabalho aparente, aumentando o temor de que a função agroecológica do CTA seja desvirtuada em uma área já pressionada pela expansão urbana.

Para Ceane Simões, professora do curso de pedagogia da UEA, o CTA transcende a excelência em práticas agroecológicas, firmando-se como um polo de experimentação que fortalece laços com instituições públicas. “Nossa parceria com o projeto Arte & Escola na Floresta possibilita aos estudantes de pedagogia uma ampliação de seu repertório vivencial e estético sobre saberes comunitários. São experiências que aprofundam a pesquisa e valorizam novas concepções educativas. Seu caráter público e de interesse social está demonstrado nos diversos trabalhos realizados nos últimos anos”, afirma.
Desde que iniciou a ocupação, o Instituto Tera Kuno se tornou referência, impactando mais de três mil pessoas com cerca de 220 cursos e capacitações, realizados em parceria com instituições como o Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Amazonas (IFAM), o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e a própria UEA. A descontinuidade representaria uma perda significativa para a comunidade e para a promoção da agroecologia na região.
Para Chantall de Castro, estudante de pedagogia e uma das organizadoras, o evento buscou ampliar a conscientização sobre o impasse. “Acreditamos se tratar de um
importante espaço educativo e social para a comunidade local”, afirmou, explicando que a expectativa era “uma expansão do debate sobre a situação burocrática em que a gestão do espaço se encontra e uma sensibilização da comunidade acadêmica”.
O impacto transformador do projeto é visível em seus participantes. Gildeone Memoria, contador e tesoureiro do projeto, relata como a iniciativa mudou sua vida. “Durante esse último ano, eu me desenvolvi bastante, não somente como empreendedor, mas como ser humano também”, disse. Ele ressaltou que a experiência o preparou para desafios maiores: “Inclusive, estou indo para a COP 30 representar o Amazonas como liderança na agricultura, levando a bandeira da agricultura familiar e da segurança alimentar”.
O reconhecimento da qualidade do trabalho ultrapassa as fronteiras do estado. Daniela Franco, professora da Universidade Federal de Uberlândia, que visitou o projeto, o elogiou como uma forma de educação essencial para os tempos atuais. “Fiquei extremamente impressionada com a qualidade do trabalho. É o que a gente chama hoje de currículo vivo, constituído a partir dessa vivência com a floresta e com a agricultura orgânica, que são formas de a gente enfrentar as mudanças climáticas”, declarou.

Enquanto debatiam estratégias e partilhavam alimentos agroecológicos, os manifestantes reforçaram o apelo para que o INCRA reavalie sua posição e adote critérios técnicos, sociais e ambientais que assegurem a função pública do CTA, protegendo um território vital para a educação e a soberania alimentar na Amazônia.
O projeto se prepara para concluir uma importante etapa de formação das agricultoras locais com a realização da última oficina de um ciclo de cinco encontros, marcada para o dia 18 de outubro no Centro de Treinamento Agroflorestal. A iniciativa, contemplada pelo Edital Floresta em Pé 2024 da Rede Transformar, qualificou produtoras em agricultura regenerativa, visando ampliar seu acesso aos mercados institucional e privado. O encontro também marca o lançamento da comercialização de alimentos saudáveis através da Cesta Ajuri.
Sobre o Centro Treinamento Agroflorestal
O Centro de Treinamento Agroflorestal (CTA) é um espaço para formação e pesquisa em agroecologia, criado em 2009 com recursos públicos do Fundo Amazônia. Localizado na APA Adolpho Ducke, a 20 km de Manaus, seu papel é fundamental para manter a floresta e as nascentes de água que equilibram o ecossistema da cidade.
O Instituto Tera Kuno desenvolve no local o projeto Arte & Escola na Floresta, que une arte e educação ambiental. Por meio de cursos e vivências sobre agrofloresta, culinária e compostagem, o projeto envolve a comunidade acadêmica (UEA, IFAM, UFAM) e fortalece a conexão das pessoas com o alimento e a floresta.